Os fantasmas de Ishinomaki na série Mistérios sem Solução da Netflix
A tragédia fez com que vários residentes da região de Tōhoku tivessem interações com almas perdidas que não conseguiam encontrar o caminho de casa.
A NETFLIX lançou a segunda temporada da série Mistérios sem Solução (Unsolved Mysteries) no dia 19 de outubro. Dentre os seis novos episódios, temos “Espíritos pós-tsunami”, onde moradores de Ishinomaki, Miyagi, compartilham histórias de fantasmas das vítimas do tsunami que ocorreu em março de 2011, provocado pelo terremoto que arrasou o país.
Dirigido por Clay Jeter, “Espíritos pós-tsunami” analisa como os sobreviventes do tsunami foram transformados para sempre por um sentimento de luto compartilhado e sobre as ocorrências sobrenaturais que aconteceram com elas nos dias, semanas e meses após o tsunami.
Alguns detalhes sobre o episódio
Em março de 2011, um terremoto de magnitude 9,1 atingiu a costa do continente. A força do terremoto fez com que um poderoso tsunami atingisse a área nordeste do Japão, apenas uma hora após os tremores iniciais. O tsunami deixou mais de 15.000 mortos e 2.500 desaparecidos, de acordo com a Agência de Gerenciamento de Incêndios e Desastres do Japão.
Os sobreviventes que perderam suas casas, entes queridos e, em muitos casos, ambos, tiveram que lidar com as consequências do desastre. Nos meses seguintes ao tsunami, várias pessoas na cidade de Ishinomaki relataram encontros sobrenaturais – especificamente, com fantasmas que estavam procurando encontrar o caminho de volta para casa após o desastre.
As pessoas entrevistadas em “Unsolved Mysteries” afirmam que esses encontros foram reais. No episódio é citado a pesquisa realizada pela estudante graduada em sociologia Yuka Kudo, da Universidade Tohokue Gakuin, onde ela escreveu sobre as experiências de motoristas de táxi da região que estavam convencidos de que haviam dado carona a fantasmas.
Um vídeo flagrou o momento em que supostamente um fantasma entra em um táxi em Ishinomaki, no Japão. Mesmo tendo sido gravadas em 2012, as imagens só foram divulgadas recentemente.
O professor de Kudo, Dr. Kiyoshi Kanebishi, ficou impressionado com sua pesquisa publicada no jornal local The Asahi Shimbun em 2016, intitulado: “Nos meses após o tsunami, motoristas de táxi relatam ‘passageiros fantasmas’ em áreas devastadas pelo tsunami de 2011”.
Kudo disse que na ocasião, conversou com mais de 100 motoristas de táxi na região atingida. Enquanto a maioria a ignorou, sete deles resolveram contar suas experiências.
Um dos relatos mais impactantes é o de um motorista que disse ter pego uma passageira alguns meses depois da tragédia. Ela pediu para ser levada ao distrito de Minamihama, lugar que o taxista disse estar totalmente em destroços. Segundo ele, a mulher teria perguntado então se ela havia morrido e, quando ele se virou para trás, não havia mais ninguém.
Vídeo gravado cerca de um mês após o tsunami de 2011, mostra um cenário de completa devastação no distrito de Minamihama, cidade de Ishinomaki, província de Miyagi
Outro motorista contou ter pego um jovem na casa dos 20 anos. Quando olhou pelo retrovisor, viu o rapaz apontado com o dedo para frente. O taxista perguntou então insistentemente para onde ele queria ir. O passageiro teria indicado um lugar nas montanhas. Quando eles chegaram, o sol já havia se posto. Ao olhar para trás, notou que o passageiro havia sumido.
Para o professor Kanebish e outros especialistas, essas pessoas podem estar sofrendo algum tipo de transtorno psicológico, como Estresse pós-traumático (PTSD), causado pelo trauma de ter sobrevivido a um dos piores desastres naturais já ocorridos no Japão.
Possuídos pelos fantasmas do tsunami?
O reverendo Taio Kaneda, um monge budista apresentado no episódio, trabalhou com pessoas que afirmavam estar possuídas por espíritos do tsunami. Ele se lembrou de algumas histórias em “Mistérios sem Solução” – mas havia ainda mais que não foram mencionados.
Em seu livro “Fantasmas do Tsunami: Morte e Vida no Desastre do Japão”, Richard Lloyd Parry resume as experiências de Takashi Ono (pseudônimo de uma pessoa real). Ono morava a poucos quilômetros de distância do tsunami. Um dia, ele dirigiu até a praia para avaliar a devastação e ficou chocado com o que viu. Sua possessão começou naquela noite.
Ele voltou naquela noite, sentou-se para jantar com sua família, tomou seu chá, uma lata de cerveja e então começou a rolar no chão fazendo barulho de animais e depois correu para o campo atrás de sua casa, rolando na lama, para o horror de sua esposa e sua mãe. Ele acordou no dia seguinte sem lembrar de nada do que aconteceu. E isso continuou por três dias.
“Ele falava de um jeito gutural estranho, agindo com violência, falando sobre os mortos. Sua família conseguiu convence-lo a ir ao sacerdote que recitou os sutras budistas e expulsou esses espíritos, e ele se sentiu muito melhor logo depois disso“, disse Richard Lloyd Parry.
Parry diz não acreditar em fantasmas. Qual outra explicação?
Parry, que também é editor do The Times of London para a Ásia , fez uma extensa pesquisa sobre os encontros espirituais após o tsunami. Seu livro conta em detalhes as histórias de fantasmas da zona do desastre do tsunami – e busca uma explicação para isso.
“O luto não resolve nada. Ele aumenta o estresse e as complicações. Ele multiplica a ansiedade e a tensão. Ele abre fissuras e rachaduras em abismos abertos“, escreve ele.
A devastação e a repentina e trágica perda de vidas de milhares de pessoas, gerou rajadas de angústia que mesmo após quase uma década ainda não foram resolvidas. E este episódio de “Mistérios sem Soluções” desvenda as maneiras como o luto pode se manifestar.
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