O Sorriso e a Cicatriz


O Sorriso e a Cicatriz

Dois homens muito diferentes, uma aldeia e um grande perigo. Será que podemos nos enganar profundamente a respeito da natureza das pessoas? Esta história mostra que sim. Confira!

Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres

Foi há muito, muito tempo, durante a Era Kamakura.

Em uma pequena e isolada aldeia de nome Kaze, dois homens eram mencionados constantemente nas conversas e pensamentos dos moradores. Um deles se chamava Kiiro. Com feições agradáveis e um sorriso estampado no rosto, Kiiro estava sempre solícito e bem-humorado, encantando os moradores com seus gestos lisonjeiros e boas conversas.

Constantemente, ele era convidado de honra para as festas e celebrações da aldeia. Todos gostavam de escutar suas histórias sobre triunfos e glórias, além das constantes anedotas e casos espirituosos. Kiiro era tão querido e aguardado como a luz do sol em um dia de inverno.

Em Kaze, também vivia um homem de nome Chairo. Por carregar extensas cicatrizes no rosto e no pescoço, além de outras várias marcas no corpo, Chairo era visto com desconfiança pela comunidade local. Ele sorria muito pouco e passava boa parte do tempo sozinho e trabalhando.

Por conta disso, ninguém se atrevia ou tinha vontade de interagir com Chairo. Os moradores costumavam chamá-lo de “corvo sem bico”, uma referência direta ao seu jeito sisudo, incomunicável e sua expressão sempre severa.

Enquanto Kiiro era desejado e amado, Chairo era isolado e rejeitado. Os dois homens possuíam a mesma idade e tinham chegado em Kaze quase na mesma época. No entanto, para toda a gente do lugar, eles eram como o sol que brilha no céu e a minhoca que percorre a terra.

Certo dia, Kaze foi atacada por duas cobras Mamushi extremamente agressivas. Raivosas, as serpentes lançavam-se ferozmente contra a população, lançando seus venenos mortíferos em tudo o que encontravam pelo caminho.

Desesperadas, as pessoas correram até Kiiro. Suplicantes, elas gritavam:

— Mestre Kiiro, ajude-nos! O senhor é um grande guerreiro. Suas histórias de glória e vitória enchem nosso peito de coragem. Mate as cobras!

Ao perceber a aproximação das víboras, Kiiro ficou com tanto medo que lançou uma criança na direção das rastejantes e saiu correndo. Sem reação, o garotinho estava em vias de ser picado por uma das Mamushi quando, de repente, uma mão pesada segurou o réptil pela cabeça.

A outra cobra pulou em cima do homem, mas, com a mão livre, ele segurou o rabo da temida criatura. Em seguida, o sujeito lançou as cobras Mamushi para longe. Com a queda, as rastejantes cheias de veneno ficaram desnorteadas e, temerosas, fugiram.

Todos os olhares da aldeia estavam voltados para o rejeitado Chairo. Sua expressão continuava sisuda e severa, deixando à mostra o rosto quase inteiramente tomado por cicatrizes.

Sem dizer uma palavra, Chairo deu meia volta e retornou para seus afazeres. Profundamente decepcionados pelos julgamentos precipitados que nutriram durante todo aquele tempo, os moradores de Kaze prometeram que jamais voltariam a julgar alguém de forma superficial.

Dali para frente, eles tratariam Chairo com as honras merecidas e fechariam as portas de suas casas para Kiiro.

No dia seguinte, antes do amanhecer, três pessoas foram deixar tigelas de mingau de arroz e cevada para Chairo. Todavia, a casa estava completamente vazia. O homem das cicatrizes havia ido embora para sempre.

Kiiro e as duas cobras não foram vistos em Kaze novamente. Ninguém nunca mais apareceu na aldeia.


Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e crítica cultural. Tem profunda admiração e crescente interesse pelo universo artístico e cultural nipônico. @abyssal_waters

Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática. @rosenightshade

Imagem do topo: Finest Moments por Bright Light NSH

2 Comentários

  1. Marie

    Eu estava com saudade dessas histórias! Bom d+!

  2. Maria

    Que lição essa conto nos dá. Muito interessante!
    👏👏👏👏👏

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