O Japão tem uma das leis de controle de armas de fogo mais rígidas do mundo
Segundo um levantamento, em 2021, houve o registro de apenas uma morte por armas de fogo no Japão, segundo dados da agência de polícia japonesa.
O autor do crime, Tetsuya Yamagami, de 41 anos, que ceifou a vida do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe utilizou uma espingarda artesanal de cerca de 40 centímetros de comprimento, com dois tubos colados lado a lado com fita isolante preta sobre uma base de madeira.
O Japão tem uma das leis de controle de armas de fogo mais rígidas do mundo.. A posse civil de armas de fogo, exceto aquelas usadas para fins de caça, é geralmente proibida de acordo com a Lei de Controle de Armas de Fogo e Espadas do país. Mesmo para armas de caça, o processo de obtenção de uma licença é demorado e caro, e poucas pessoas passam pelo incômodo.
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Uma pessoa deve passar 12 etapas antes de comprar uma arma de fogo, começando com uma aula de segurança de armas e depois passando em um exame escrito administrado três vezes por ano. Um médico também precisa aprovar a saúde física e mental do comprador da arma.
Outras etapas incluem uma extensa verificação de antecedentes e uma inspeção policial do cofre de armas e do armário de munições exigidos para armazenar as armas de fogo e as munições. “As licenças para posse de armas de fogo são emitidas para armas específicas para determinadas aplicações, como caça ou erradicação de pássaros, ou animais nocivos”, diz a lei.
Cidadãos japoneses com antecedentes criminais ou viciados em narcóticos estão proibidos de possuírem armas de fogo. Também é totalmente proibido carregá-las escondidas. Depois de três anos, a validade da licença expira e a pessoa é obrigada a fazer o curso e as provas de novo.
A lei também controla o número de lojas que vendem armas no país. Na maior parte das 47 prefeituras do Japão, o número máximo é de três lojas de armas e só se pode comprar cartuchos de munição novos se os usados forem devolvidos. Tudo isso ajuda a explicar por que crimes violentos envolvendo tiroteios e massacres com armas de fogo são muito raros no Japão.
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Policiais japoneses dificilmente andam armados e a ênfase é maior nas artes marciais – todos devem chegar a faixa preta do judô. Eles passam mais tempo praticando Kendo (esgrima japonesa) do que aprendendo a usar armas de fogo. Até mesmo o crime organizado no Japão dificilmente usa armas de fogo. Homicídios por esfaqueamentos são mais comuns no país.
Para frisar o tabu ligado ao uso inadequado de armas no Japão, um policial que usou a própria arma para cometer suicídio foi processado, mesmo depois de morto, por ter cometido um crime com arma de fogo. Ele se matou quando estava em serviço – os policiais nunca devem andar armados nas folgas e devem deixar as armas na delegacia quando terminam o dia de trabalho.
Lei de Controle de Posse de Armas de Fogo e Espadas
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A Lei de Controle de Posse de Espadas e Armas de Fogo (銃砲刀剣類所持等取締法) é uma lei japonesa de 1958 relativa a armas de fogo (e peças de armas de fogo/munições) e armas brancas. Foi promulgada em 1958 e revisada várias vezes, mais recentemente em 2008.
No entanto, podemos dizer que leis com essa finalidade já existia no Japão desde o final do século 16, sob a gestão de Toyotomi Hideyoshi com o intuito de desarmar os camponeses e controlar as revoltas. Desde então, o controle de armas tornou-se cada vez mais rigoroso para os civis, levando a uma série de revisões e novas leis durante a Restauração Meiji.
Após a Segunda Guerra Mundial, os militares japoneses foram desarmados, o que levou o governo japonês a promulgar a Lei de Controle de Posse de Espadas e Armas de Fogo em 1958 para evitar brigas de gangues envolvendo armas de fogo, espadas e outras armas brancas.
Quantas armas de fogo estão nas mãos de civis no Japão?
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Em 2020, foi registrado que o Japão tinha 192 mil de armas de fogo nas mãos de civis, contando as legais e as ilegais. Já no Brasil, em novembro de 2021, havia 1,6 milhão de armas de fogo registradas em poder de civis, segundo o site de notícias Bloomberg Línea.
Nos Estados Unidos, por exemplo, existem mais armas do que pessoas. No Japão é o contrário. São menos de 200 mil armas para uma população de mais de 125 milhões de pessoas. Enquanto há estados americanos onde uma criança de 13 anos consegue comprar uma arma, no Japão, para conseguir o porte, é um processo extremamente difícil que envolve muitas etapas.
Quantas mortes por armas de fogo há no Japão?
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Em todo o ano de 2021, o Japão registrou apenas uma morte provocada por arma. No mesmo ano, foram apreendidas 61 armas em Tóquio, mas sem nenhum registro de morte ou feridos.
No mesmo ano, os Estados Unidos tiveram mais de 45 mil mortes, enquanto o Brasil registrou pouco mais de 30 mil, segundo o Atlas da Violência, criado pela IPEA. Só neste ano de 2022, já foram registrados mais de 10 mil homicídios por arma de fogo nos Estados Unidos.
Um ano antes, em 2020, foram registradas 32 mortes atribuídas a armas de fogo no Japão, segundo o Small Arms Survey, que monitora esse tipo de violência globalmente. O Japão tem aproximadamente 125 milhões de habitantes — a título de comparação, o Brasil tem 212 milhões de habitantes e registrou 39 mil homicídios por arma de fogo no mesmo período.
Desde 2017, houve 14 mortes relacionadas a armas, um número consideravelmente baixo para um país de 125 milhões de pessoas. A última vez que um ex-primeiro-ministro foi morto foi em 1936, durante o militarismo radical do Japão, antes da Segunda Guerra Mundial.
Atentados a políticos no Japão
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“No Japão não acontecia algo do tipo há mais de 50 ou 60 anos”, declarou à AFP Corey Wallace, especialista em política japonesa da Universidade de Kanagawa. De acordo com o analista, o último ataque parecido no país foi o assassinato em 1960 de Inejiro Asanuma, o líder do Partido Socialista Japonês, esfaqueado por um estudante ligado à extrema-direita.
Na verdade, houve casos na década de 90. Em 1990, o ex-ministro do Trabalho Hyosuke Niwa morreu de ferimentos infligidos por um homem perturbado, e o então major da cidade de Nagasaki, Hitoshi Motoshima, ficou gravemente ferido após ser baleado por um direitista.
Em 1992, um atirador de direita disparou contra o então vice-presidente do Partido Liberal Democrata, Shin Kanemaru, quando ele estava encerrando um discurso. Kanemaru não se machucou. Dois anos depois, em 1994, houve uma tentativa de fuzilamento do então primeiro-ministro Morihiro Hosokawa por um extremista de direita, mas Hosokawa saiu ileso.
Outro caso notório ocorreu em 1996, quando Yoshiro Yanagawa, prefeito de uma pequena cidade de Mitake, foi espancado em casa, supostamente por membros do crime organizado e ficou gravemente ferido. Já em 2002, o deputado do Partido Democrata Kouki Ishiii foi esfaqueado e morto na frente de sua casa, segundo a polícia, por um representante do grupo de direita.
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No entanto, o caso mais recente ocorreu 15 anos atrás, no ano de 2007, quando o prefeito de Nagasaki Iccho Ito, foi baleado e morto por um gângster – esse incidente fez com que as regulamentações sobre armas mudassem para dificultar ainda mais a posse de armas.
As punições ficaram mais pesadas para crimes cometidos com armas por membros de gangues do crime organizado. O porte de armas por um gangster pode levar a até 15 anos de prisão. Descarregar uma arma em um espaço público, entretanto, pode resultar em prisão perpétua.
Falhas na segurança no caso Abe
A política japonesa é notoriamente pacata, e até mesmo os grupos de extrema direita que rondam regularmente as ruas de cidades em vans pretas fazendo propaganda política são vistos mais como um incômodo do que realmente uma ameaça à segurança pública.
A ideia de um assassinato político parecia algo muito distante e talvez explique porque não havia um esquema de segurança robusto para proteger Abe, que fazia um discurso em uma esquina da cidade de Nara. Mas as coisas em relação à segurança devem mudar a partir de agora.
O atual sistema de proteção dos políticos foi iniciado em 1975, após um incidente envolvendo o então premiê Takeo Miki. Agredido por um membro do grupo da extrema-direita quando participava de um funeral, ele passou a criticar a Polícia Metropolitana de Tóquio por não fazer o suficiente para garantir sua segurança e a de outras figuras públicas.
Em um país que possui as leis de controle de armas de fogo mais rígidas do mundo, não é de se admirar então que, após o atentado contra Shinzo Abe, grande parte da atenção da mídia japonesa tenha se voltado para o atirador e a arma caseira que ele usou o crime.
“Estou muito chocada”, disse a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, em uma coletiva de imprensa antes do anúncio da morte de Abe. “Não importa o motivo, um ato tão hediondo é absolutamente imperdoável. É uma afronta à democracia”, lamentou Yuriko.
Um cidadão de Tóquio disse que é raro este tipo de violência no país. “Vemos tiroteios acontecer todas as semanas nos Estados Unidos. Mas no Japão? É o país que tem uma das leis mais duras contra o porte de armas de fogo. É incompreensível, assustador e preocupante”.
Ataque a políticos no Brasil
Entre 2000 e 2016, 79 políticos foram assassinados no Brasil, segundo estudo da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). No Brasil houve muitos casos emblemáticos, como os assassinatos da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista, em 2018.
Outro caso que teve grande repercussão foi do prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 2002. Em 2018 também houve o atentado com faca sofrido por Jair Bolsonaro durante uma campanha em Juiz de Fora (MG). Ele conseguiu sobreviver após os ferimentos.