Kamagasaki – A terra dos velhos sem tetos do Japão
Kamagasaki, um lugar esquecido no Japão
Kamagasaki é uma cidade situada ao sul de Osaka e quem a vê hoje, nem imagina que ela era uma grande vila operária há muitos anos atrás, aparentemente em franca ascensão e com muitas ofertas de empregos. Hoje, ela é uma cidade praticamente habitada por uma população senil, a maioria com mais de 50 anos e boa parte deles, vivem sozinhos, nas ruas ou em pavilhões improvisados.
Dos 30 mil habitantes de Kamagasaki, um terço recebe ajuda previdenciária do governo. No entanto, outros 1.500, vivem à sorte, totalmente desamparados, sem recursos, vivendo em extrema pobreza. Muitos caíram em vícios, especialmente na bebida e é comum vê-los com uma garrafa de saquê nas mãos, perambulando pela cidade, ou dormindo nas ruas com a garrafa ao lado. Doenças crônicas, mentais ou tuberculose correm soltos entre os sem teto.
O governo sempre tentou esconder esses fatos, talvez com medo de abalar sua fama de país do primeiro mundo, com boa qualidade de vida e igualdade social. Para eles, os moradores de Kamagasaki, é um capítulo à parte, um exemplo de descaso e de fracasso.
Como aceitar que o país que já foi considerada a 2º maior economia do mundo (Hoje é a 3º), tenha uma cidade dessas com cenário totalmente digno de 3º mundo? Realmente as cenas que vemos dessa cidade são perturbadoras.
Essa cidade, muitas vezes até ignorada nos mapas do Japão, não possui nem um recenseamento correto, já que grande parte não tem nem endereço fixo, mas estima-se que vivam 30 mil pessoas num raio de 2 km. Os veículos de comunicação são discretos em divulgar esses fatos, não querem passar uma imagem ruim do Japão para o mundo.
Kamagasaki, já foi palco de motins, manifestações, vandalismo, tráfico de drogas, corrupção do sistema previdenciário, envolvimentos da máfia Yakuza e conflitos intensos entre moradores e polícia. Situações que aqui no Brasil, passam praticamente desapercebidas (embora ainda nos entristeça), mas poucos japoneses comentam sobre uma parte do Japão que se assemelha em partes, à realidade de algumas partes do Brasil, embora MUITO menos perigosa.
Alguns japoneses, podem até dizer que o local é perigoso, mas na verdade o que realmente ocorre em kamagasaki é um cenário de descaso, esquecimento e preconceito, que segundo dizem, se dá ao fato de que a maioria dos moradores são oriundos de Okinawa e Tokunoshima, duas ilhas japonesas, mas que são discriminadas por alguns japoneses.
História de Kamagasaki
Décadas de 50 e 60 – A vila operária de Kamagasaki
Em 1950, Kamigasaki se tornou um lugar de refugiados da 2º Guerra Mundial. Para acomodar tanta gente, foram feitas tantas ruelas, que a cidade parecia um labirinto enorme, cheio de barracos de madeira, muitas até com telhado de lona, em um sistema bem precário mesmo. Porém foram demolidas no fim da década de 50 para construção de vias mais largas.
Em 1960, já existiam 175 alojamentos com capacidade para 15 mil pessoas no total. 60 a 70% deles viviam como “diaristas” e sem emprego fixo. Em um local da cidade, uma caminhonete anunciava com cartazes e alto falantes, as ofertas de trabalho e os trabalhadores eram encaminhados para trabalhos de diversas naturezas: construção civil, transporte de mercadorias, trabalho nas docas.
Muitas pessoas de outras regiões, desempregados e sem rumo na vida, iam para Kamagasaki à procura de emprego e estadia barata, já que lá se encontrava pensões, hotéis e alojamentos extremamente baratos. Esse também é um dos motivos pelo qual vários mochileiros posavam lá quando passavam pelo local.
As agências de recrutamento de operário estavam repletas de serviços, afinal após a Segunda Guerra, o Japão estava em ascensão, muitas torres, prédios, ferrovias sendo construídos. Quem tivesse 20, 30 anos de idade não ficava sem serviço, já que eram os preferidos para trabalhar na construção civil.
Motins, vandalismo, guangues
O primeiro grande tumulto aconteceu nessa época, quando um diarista idoso foi atropelado. Julgando estar morto, o motorista nem se preocupou em chamar uma ambulância e deixou a vítima sem socorro por mais de 20 minutos.
Indignados com a atitude despreocupada do cidadão, milhares de pessoas se reuniram em manifesto em frente a delegacia para deletar a negligência.
Nisso virou uma confusão só, atearam fogo, viraram carros e foram mandados 6 mil policiais para conter a fúria e o vandalismo do povo ensandecido.
Não deu outra: 110 pessoas feridas, sendo que 100 eram policiais e 28 manifestantes presos.
Depois disso, outras pequenas manifestações aconteceram, e em 1966, o nome do local foi mudado para Airin – chiku, na tentativa de melhorar a imagem do lugar. Tentativa fail na verdade, pois mesmo hoje, após 45 anos, ninguém praticamente chama o lugar com esse nome e sim com o nome original, ou simplesmente como Kama, apelido “carinhoso” dado à cidade.
Década de 70 , 80 e 90 – Ascensão da decadência em Kamagasaki
A região que já estava abalada com os diversos motins, ficou ainda mais fragilizada essa época, quando a crise do petróleo se instalou no Japão e a consequência disso foi um longo período de desemprego para muitas pessoas. Na década de 80, pessoas de outras nacionalidades também foram se instalando no local.
E assim, estendeu-se até a década de 90, quando o país sofreu uma nova grande crise econômica, que praticamente aniquilou quase que totalmente as opções de emprego da região. Os 175 alojamentos construídos para alojar os diaristas, foram derrubados sem dó nem piedade para serem construídos prédios de hotéis no lugar.
Após 17 anos de “tranquilidade aparente”, o local virou palco novamente de diversas manifestações, motins e revoltas dos moradores contra a recessão, o que acabou virando uma guerra local entre polícia, moradores e bandidos. Boatos dizem sobre diaristas que chegaram a sofrer “torturas” pela polícia.
Pessoas em fila no Hellowork, na esperança de conseguir um emprego
Hoje em dia, Kamigasaki, conta com uma população grande de idosos, muitos abandonados pela família, doentes e morrendo prematuramente, muitas vezes como indigentes. Mortes por doenças causadas pelo álcool ou saneamento básico adequado. Isso realmente assombra vindo de um país considerada de maior longevidade do mundo.
Os que ainda conseguem se manter com dignidade são os que recebem da previdência, uma espécie de seguro desemprego, já que muitos ainda não são bastante velhos para receber aposentadoria, porém já são considerados velhos para conseguir um emprego. Realmente uma situação difícil para todos eles.
Festival de Verão em Kamagasaki
No entanto, no meio de tanta história triste, acontecem coisas boas também. Todos os anos, acontece na cidade “O Festival de Verão de Kamagasaki”, um festival, patrocinado por várias organizações religiosas e de caridade. O dinheiro arrecadado do festival, é obviamente usado para reduzir o sofrimento dos sem teto.
A festa que ocorre em toda regiãode Kamagasaki, paralelamente com a festa de Obon Odori e além de ser uma forma de entretenimento, a festa também serve como caixa de ressonância para mensagens políticas, pedindo maior atenção para a situação dos residentes locais e para as populações marginalizadas por todo o Japão. Longe ainda de ter seus dias de glória, Kamagasaki sobrevive como pode… Qual será o futuro dessa cidade?
Vídeos de kamagasaki
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