Depoimento de um sobrevivente de Hiroshima
Depoimento de um sobrevivente de Hiroshima
Takashi Morita é um hibakusha – nome pelo qual são conhecidos os sobreviventes das explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Ele conta o horror que passou durante a explosão da bomba atômica em Hiroshima e fala também sobre os problemas nucleares que o Japão vêm sofrendo após Terremoto e Tsunami que atingiu a costa japonesa em 11 de março de 2011.
Aos 21 anos, Takashi Morita presenciou o início da era atômica. Hoje, com 95, é dono de uma mercearia no bairro do Jabaquara, em São Paulo, e preside a Associação dos Hibakushas no Brasil.
Para o comerciante Takashi Morita, as imagens do Japão arrasado pelo terremoto, pelo tsunami e agora sob o temor do risco nuclear são um “pesadelo”. Aos 95 anos, ele é uma pessoa lúcida e bem humorado e mora em São Paulo desde 1956.
Ele conta como sobreviveu, em 6 de agosto de 1945, à bomba nuclear jogada sobre a cidade japonesa de Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial. A bomba explodiu a cerca de 1,3 km de onde Morita estava. Na época, ele era soldado da polícia japonesa e tinha 21 anos.
A bomba explodiu bem no centro de Hiroshima, a 580 metros de altura, numa bola de fogo que atingiu cerca de 230 metros de raio. Calcula-se que no hipocentro – o ponto em terra exatamente abaixo da explosão –, a temperatura atingiu de 3.000 a 4.000 graus centígrados. É mais do que o dobro da temperatura necessária para fundir o ferro, em torno de 1.500 graus. Os dados são do livro The legacy of Hiroshima, do físico japonês Naomi Shohno, citado numa reportagem que Roberto Pompeu de Toledo publicou em 1995 – cinqüentenário da explosão – na revista Veja. “Foi como sofrer um esbarrão do sol”, definiu Pompeu de Toledo. Um esbarrão que tirou a vida de dezenas de milhares de seres humanos.
“Lembro-me como se fosse hoje. Eu estava caminhando nas ruas da cidade quando a bomba caiu. Primeiro foi um clarão, depois uma escuridão. Então começou uma chuva preta, e as pessoas que estavam queimadas abriam a boca para tomar aquela água contaminada. Eu via pessoas queimadas, dilaceradas, andando com as tripas arrastando pelo chão, a pele pendurada, pedindo água e implorando por socorro.” diz Morita, relembrando o inferno que viveu.
Morita foi diagnosticado com leucemia duas vezes enquanto ainda morava no Japão, onde fez tratamentos. Desde que se mudou para o Brasil, apesar de problemas de coração e diabetes, nunca mais teve leucemia. Ele veio para São Paulo justamente para melhorar a saúde.
“Me falaram que São Paulo era uma cidade alta, com um bom ar. Aqui no país é bem melhor. Essa é a verdade. Quando saí do Japão estava doente da bomba atômica. Quando cheguei no Brasil acabou. A terra e o clima são muito bons, as pessoas, tudo. É o paraíso mesmo, aqui no Brasil”
Para o japonês, o cenário de destruição das cidades do Japão após a passagem do tsunami lembra a situação da cidade de Hiroshima após a bomba.
“Isso que está acontecendo no meu país me faz sofrer muito, é muito triste. Nós, os sobreviventes das bombas nucleares, lutamos pela paz e contra a energia nuclear. A radiação é a pior arma que existe. Não tem cheiro, não podemos vê-la, não tem barulho, não deixa rastro. As pessoas vão sentir seus efeitos ao longo do tempo”, diz o comerciante. Hoje, ele é presidente da Associação das Vítimas da Bomba Atômica no Brasil, que integra 120 sobreviventes da tragédia e seus descendentes.
Quando a bomba atômica atingiu Hiroshima, o soldado vestia uniforme militar e acredita que por isso foi protegido. Como usava boné, também não teve problemas no rosto, mas sofreu uma queimadura grave na nuca, o que o impediu de continuar ajudando no resgate das vítimas por muito tempo.
“Depois da bomba, todos os sobreviventes deixaram Hiroshima, porque a radiação se alastrava. Mas eu fiquei durante dois dias, só carregando corpos, ajudando pessoas. Nestes dois dias, não comi nem bebi nada na cidade. Tudo podia estar contaminado e me contaminar por dentro. Se a radiação entra dentro de nós, daí não tem salvação”.
“Eu também estava em missão, trabalhando, não sentia fome. Depois, no terceiro dia, meu comandante me mandou ir para um hospital fora da cidade cuidar da queimadura, que estava ficando ruim”.
Parentes no Japão
Morita tem um neto, que mora em Tóquio. O jovem trabalha e constituiu família no Japão e não pretende retornar ao Brasil. “Temos parentes na capital e amigos na região próxima à usina nuclear de Fukushima (que apresentou acidentes e explosões), alguns que não conseguimos contato. Eles tiraram todas as pessoas das cidades próximas”.
“Se eu pudesse fazer um pedido ao governo japonês, pediria para não construir mais usinas nucleares, não usar mais urânio. A minha missão neste planeta é conscientizar as pessoas, principalmente os jovens, sobre os efeitos da radiação. Ela tem poderes que não se pode conter, nunca mais nem ninguém. Tem gente morrendo até hoje, sofrendo até hoje, pelos efeitos da radiação das bombas atômicas”, diz o comerciante Morita.
Às pessoas que se encontram na região de risco, ele aconselha a “não comer, beber, nem colocar nada para dentro do corpo que esteja naquela região”. “A radiação contamina tudo, a água, os alimentos. Não dá para usar nada dali”. Ele também lembra os primeiros efeitos da radiação das vítimas que ajudou: bolhas de sangue formando-se pelo corpo e sangue saindo da gengiva.
Reconstrução do Japão
O sobrevivente de Hiroshima veio para o Brasil em 1956, com a mulher e dois filhos. Desembarcou no Porto de Santos, após 42 dias de viagem, com destino a São Paulo.
Questionado sobre se acha que o país que lhe acolheu ajudará o Japão a se reconstruir, Morita não pensa duas vezes. “O brasileiro é um povo de coração muito quente e ajuda a todos. Tenho certeza de que irá ajudar o Japão”, diz.
Ele também acredita que o povo japonês, como ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, irá se unir para reverter os estragos da tragédia. “O japonês sofre, mas não chora. Sofre por dentro, mas se une para trabalhar”, acredita ele.
Morita receberá uma homenagem do estado de São Paulo pela sua luta contra a radiação. A Escola Técnica Estadual (Etec) de Santo Amaro, na Zona Sul da capital, pretende mudar o seu nome para se chamar Etec Takashi Morita. Segundo o diretor da unidade, Fernando Antônio de Campos, um projeto de lei que autoriza a alteração no nome da Etec tramita desde fevereiro na Assembleia Legislativa do estado.
A Associação das Vítimas de Bomba Atômica no Brasil, da qual Morita faz parte é responsável pela negociação com o governo japonês pela assistência aos 127 sobreviventes da bomba que imigraram para o Brasil – o governo só ofereceu ajuda para quem ficou no Japão. A Associação Hibakusha-Brasil pela Paz é recente e faz ações em parceria com a sociedade civil para disseminar a paz e dizer não à guerra e às armas nucleares.
“Em Hiroshima e Nagasaki as bombas atômicas acabaram com duas cidades e mataram milhares de pessoas. Hoje, uma bomba atômica pode acabar com o mundo inteiro” , afirma Morita. As ações da Associação Hibakusha (palavra que designa mundialmente sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki) são uma extensão dos trabalhos de jovens de Nagasaki que trabalham pela mesma causa, ao redor do mundo.
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