A Mente do Vaga-Lume Solitário


A Mente do Vaga-Lume Solitário

Um vaga-lume solitário se surpreende ao descobrir que, algumas vezes, nossa mente pode ser nossa pior inimiga.

Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres

“Nem teus piores inimigos podem fazer tanto dano como teus próprios pensamentos.”
Buda


Seita se sentia solitário.

Como um dos milhares de vaga-lumes que brilhavam na floresta de Yakushima, ele imaginava que era apenas mais um na multidão. Ainda que estivesse aglomerado no meio de tantos, Seita não se achava incluído ou amado por seus pares.

Voando em disparada pelas árvores centenárias, ele piscava com todas as suas forças, fazendo com que seu brilho saísse forte e intenso, na tentativa de chamar a atenção. No entanto, no meio de inúmeros pontos luminosos, ninguém parecia notá-lo.

Tal condição foi entristecendo Seita mais e mais. Em suas horas de repouso, ele pensava:
— Sou um azarado. Nasci, vivo e morrerei sozinho. Nenhum dos outros vaga-lumes parece me notar.

Não havia uma noite sequer em que Seita não lamentasse o seu destino. Os outros pirilampos estavam sempre apressados, ocupados demais em iluminar a floresta.

A Mente do Vaga-Lume SolitárioCréditos: Fireflies por Ryky Art

Certo dia, um cão-guaxinim se perdeu nos labirintos verdes de Yakushima. No lugar onde ele estava, não havia nenhum sinal de luz. Nem mesmo os raios lunares conseguiam alcançar aquele ponto. Desesperado, o cão-guaxinim gritou:

— Amigos da noite, me ajudem! Preciso achar a saída desse local. Não consigo ver nada.

Silêncio. Nenhum sinal de que alguém tinha ouvido seus apelos. O cão-guaxinim tornou a berrar:

— Socorro! Alguém me ajuda!

Fortuitamente, Seita voava pela região, o coração tomado de desilusões e lamentos. Ao escutar os gritos do animal peludo, ele desceu até seu alcance e perguntou:

— Você está perdido?

— Não é o que parece, meu amigo? Não consigo ver um palmo à frente. Você pode fazer a gentileza de me ajudar?

Certo de que nenhum dos outros companheiros notaria sua ausência, Seita respondeu:

— Claro. Eu irei te ajudar. Mas tenha em mente que sou apenas um. Minha luz não tem tanto alcance quanto deseja.

Dito isso, o vaga-lume solitário saiu piscando e irradiando seu brilho verde na cabeça do cão-guaxinim. Aos poucos, o animal foi tateando no solo cheio de raízes, pedras, folhas e arbustos, conseguindo se locomover pela floresta.

Seita começou a sentir, palpitando no seu minúsculo coração, uma pontada de orgulho de si mesmo. Afinal de contas, ele fazia sim diferença no meio daquela multidão de vaga-lumes.

Absorto em seus pensamentos, Seita não notou quando o cão-guaxinim apontou para o céu e, perplexo, disse alguma coisa.

A Mente do Vaga-Lume SolitárioCréditos: Fireflies Tree por  Ellysiumn

— O que? Não ouvi.

— Você e seus amigos são estrelas vivas.

Nesse momento, Seita olhou para o alto e viu o firmamento totalmente iluminado. Centenas de pirilampos vibravam suas belas luzes enquanto chamavam:

— Seita! Seita! Você está aqui! Procuramos seu brilho por toda parte.

— Vocês notaram a minha ausência?

— Claro que sim, irmão. Você é parte de nós.

— E por que nunca se aproximaram de mim?

Sem entender o que Seita queria dizer, um dos vaga-lumes apenas respondeu:

— Nós estamos sempre perto uns dos outros, Seita. Você não precisa chamar a atenção para estar próximo de nós. Sua existência, por si só, já te faz um ser único e especial. Juntos, nós somos o coração que brilha na noite escura de Yakushima.

Seita percebeu o seu grande engano. Graças ao cão-guaxinim perdido, ele conseguiu entender que nossos julgamentos podem ser precipitados.

Como dizia um grande mestre humano: “A mente pode ser muito traiçoeira, pior do que cobras venenosas e assaltantes vingadores.”

Depois de se despedir do animal peludo, Seita voltou a ocupar seu lugar entre seus irmãos brilhantes, formando um imenso tapete de luz na noite escura.


Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e pesquisadora. Escreve sobre tecnologia, arte, cultura, ciência e cultura asiática. Tem uma mente que acredita em enigmas e no poder da transcendência. Twitter: @maravanessatmf

Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática e por trilhas sonoras. Instagram: @rosenightshade

Créditos da imagem do topo: Fireflies Tree por  Ellysiumn

2 Comentários

  1. Nicolás Irurzun

    Muito bonito! Desconfio que seja Mara, a autora, quem ilumina muitos caminhos…

  2. Maria Fátima

    Belíssimo conto! Um mundo mágico que mexe com a imaginação da pessoa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *