Bomba-balão japonesa, a primeira arma de guerra com alcance intercontinental
Estima-se que cerca de 9000 desses balões tenham sido lançados pelo Japão durante a Segunda Guerra Mundial, em retaliação ao bombardeamento de Tóquio.
Uma arma secreta e engenhosa criada pelos japoneses durante a Guerra do Pacífico foi o ‘fu-Go’ (ふ号) ou ‘fūsen bakudan’ (風船爆弾), que literalmente significa bomba-balão. Tratava-se de balões de papel ou seda emborrachada que continham aproximadamente 540 m³ de hidrogênio, equipados com uma mina antipessoal de 15 kg e dois dispositivos incendiários.
Os balões, montados a partir de seda emborrachada ou papel de arroz, em alguns casos por crianças e adolescentes em idade escolar, eram carregados com hidrogênio e presos a uma estrutura semelhante a um candelabro, carregado com sacos de areia e bombas incendiárias.
Os balões japoneses que carregavam essas bombas tinham 12,80 m de diâmetro, detonador de 19,50 m, com tempo de queima de 1h 22 min. O balão-bomba japonês foi a primeira arma com alcance intercontinental, criada para incutir medo e terror nos EUA, em retaliação ao bombardeamento de Tóquio e Nagoya (Ataque Doolittle) ocorrido em 18 de abril de 1942.
A história dos balões-bomba japoneses
Balão de seda emborrachado “Tipo B”, recuperado no mar e reinflado. O contorno de um ser humano é fornecido para escala. Imagem: Wikimedia Commons
Na década de 1920, o meteorologista japonês Wasaburō Ōishi notou durante seus experimentos com balões que, apesar da falta de vento, eles continuavam a se mover para o leste. Após vários anos de pesquisa, ele chegou à conclusão de que a uma altitude de vários quilômetros havia fortes correntes de ar, que mais tarde descobriu-se ser correntes de jatos polares (jet stream).
Inicialmente, foram usados principalmente para fins meteorológicos. Quando o balão subia a uma altitude acima de 12 km, o altímetro ativava uma válvula para liberar hidrogênio. O hidrogênio também era liberado automaticamente se a pressão do balão atingisse um nível crítico.
“Centro do cérebro” de uma bomba de balão japonesa. O dispositivo automático de controle de altitude permitiu que o balão viajasse a 30.000 pés durante a viagem de 3 a 4 dias aos Estados Unidos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, pesquisadores do centro de pesquisa militar japonês “Noborito” tiveram a ideia de usá-lo para fins militares. Ōishi estimou que a corrente poderia mover um grande balão para o outro lado do Pacífico em três dias e que também poderia transportar pequenos explosivos para serem lançados na chegada aos EUA.
Dos 9.000 lançados, cerca de 300 deles atingiram a costa oeste do continente norte-americano, do Alasca ao México, e até o interior do Texas, Wyoming e Michigan. A maioria caiu remotamente e inofensivamente em locais desabitados, causando pouco ou nenhum dano, embora tenha causado alguma preocupação, a maior das quais eram os incêndios florestais.
Uma árvore prende um balão-bomba no Kansas em 23 de fevereiro de 1945. Foto: Japan Times
Cerca de 2.700 soldados se posicionaram em pontos críticos ao longo das florestas costeiras com equipamentos de combate a incêndios. Aviões de caça lutaram para interceptar os balões, mas eles voavam tão alto e incrivelmente rápido que menos de 20 foram abatidos.
Alguns balões bomba chegaram a alcançar o solo americano e explodir, mas o resultado final foi ínfimo e inexpressivo para o resultado final da guerra. Não se sabe ao certo os resultados produzidos pelos balões, pois os americanos não noticiaram nos jornais tais balões, talvez, para que os japoneses pensassem que eles não estivessem chegando ao destino pretendido.
Tragédia no Oregon
A ideia que parecia ser absurda quase deu certo: alguns balões conseguiram chegar à costa do Alasca, Califórnia, Wyoming, Arizona, Oregon e Canadá.
No entanto, o segredo sobre a existência das Bombas-balão deixou de existir quando veio à tona um trágico acidente, causando a morte de 5 crianças e uma mulher grávida. O incidente ocorreu em 5 de maio de 1945, perto da cidade de Bly, no sul do Oregon, Estados Unidos.
Naquele dia, o pastor Archie Mitchell decidiu fazer um piquenique com sua esposa grávida, Elsie, e cinco alunos da Escola Dominical, que tinham entre 11 e 14 anos. Enquanto Archie procurava um lugar para estacionar o carro, Elsie e as crianças foram preparar o piquenique.
Foto do casamento do pastor Archie Mitchell e sua esposa, Elsie. A Sra. Mitchell tinha 26 anos e estava grávida quando foi vítima do balão (Arquivo da família Mitchell).
No caminho, eles notaram um estranho balão caído no chão. Quando eles se aproximaram e, presumivelmente, encostaram nele, ocorreu a explosão, matando todo o grupo. O som da explosão foi ouvido por Archie e alguns trabalhadores da estrada que imediatamente correram para o local, mas já era tarde demais. As tentativas de resgate não trouxeram resultados.
Acredita-se que o balão pousou no solo algumas semanas antes e permaneceu lá até ser encontrado pelo grupo. Hoje, no local da tragédia, há um monumento em homenagem às vítimas da bomba japonesa. Adjacente ao monumento encontra-se um pinheiro ponderosa ainda com marcas da explosão. Em 2001, foi registrado no Registro Nacional de Lugares Históricos.
Imagem: Wikimedia Commons
Podemos dizer que estas foram as únicas mortes no continente americano devido à ação inimiga durante a Segunda Guerra Mundial. No início ninguém acreditava que os balões vinham do Japão. Mas quando foi analisada a composição mineral da areia retirada dos sacos e os tipos de diatomáceas e outras criaturas marinhas microscópicas, não havia espaço para dúvidas.
Os geólogos eventualmente rastrearam a areia até uma praia perto da cidade de Ichinomiya, na ilha de Honshu. O reconhecimento aéreo logo encontrou o que procurava – duas usinas de produção de hidrogênio nas proximidades, que foram imediatamente destruídas por bombardeios.
Balão encontrado perto de Bigelow, Kansas em 23 de fevereiro de 1945 (Wikimedia Commons)
O governo americano fez tudo o que pôde para manter os balões-bomba fora da mídia, talvez com o objetivo de negar aos japoneses qualquer informação a respeito da eficácia das bombas balão. Eles também não queriam que a população norte-americana entrasse em pânico.
Mas, após as mortes no Oregon por uma explosão de um balão-bomba japonês, a imprensa foi autorizada a noticiar sobre as ameaças e sobre o trágico acidente. As autoridades norte-americanas perceberam que o conhecimento público poderia ter evitado a tragédia.
Os restos de um balão-bomba que explodiu em uma fazenda em Dakota do Norte em agosto de 1945.
Enquanto isso, autoridades japonesas relatavam que as bombas estavam atingindo os alvos, provavelmente para levantar a moral deles perante a população, mas no fundo eles tinham consciência de que a operação com os balões-bomba haviam sido um fiasco. Além disso, com duas das principais usinas de hidrogênio destruídas, foi ordenado que a operação cessasse.
40 anos depois, um encontro inesperado
O incidente de Bly também repercutiu décadas depois no Japão. No final da década de 1980, o professor da Universidade de Michigan, Yuzuru “John” Takeshita, que quando criança havia sido encarcerado como nipo-americano na Califórnia durante a guerra, soube que a esposa de um amigo de infância foi uma das crianças recrutadas para construir os balões-bombas.
Alunas japonesas foram recrutadas para fazer os balões. Foto cedida pela Coleção Robert Mikesh, Museu Nacional da Guerra do Pacífico.
John Takeshita intermediou o contato entre as ex-alunas e os moradores de Bly, cuja comunidade foi virada de cabeça para baixo por uma das bombas que construíram. As mulheres dobraram 1.000 grous de papel como um símbolo de arrependimento pelas vidas perdidas.
No documentário On Paper Wings podemos ver esse encontro. O documentário produzido pela cineasta Ilana Sol contém entrevistas de pessoas que perderam familiares na tragédia.
Balões-Bomba ainda oferecem perigo nos dias de hoje
Por “sorte” outras tragédias foram evitadas, mas outras bombas balão ainda pairavam pelo vasto oeste, cujo paradeiro, permaneciam desconhecidos. Embora a tragédia não tenha se repetido, existe uma possibilidade real – embora remota, de outros balões-bombas serem encontrados.
Em 2014, alguns trabalhadores florestais no Canadá encontraram uma bomba balão não detonada, que aparentemente ainda representava perigo o suficiente de modo que foi necessário chamar a unidade militar de eliminação de bombas para manuseá-la de maneira segura.
Quase 80 anos depois, esses balões-bombas remanescentes com paradeiro desconhecido são um lembrete de que mesmo as cicatrizes de guerra mais negligenciadas demoram a desaparecer.
https://www.youtube.com/watch?v=i8HrqNqXtTQ
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