Riki, o homem egoísta


Riki, o homem egoísta

O que nossos piores defeitos revelam sobre nós? A curiosidade de um homem cobrou um preço muito alto. Saiba mais lendo a narrativa de Riki, um sujeito que só pensava em si.

Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres

Era o dia de sorte de Riki. Como fazia todos os dias, ele saiu antes do nascer do sol para cortar bambu e colher cogumelos na floresta. Sempre apressado e ofegante, Riki nunca prestava atenção no mundo ao seu redor. Para ele, a única coisa que realmente importava era o dever e sua própria vida. Suas obrigações diárias estavam em primeiro lugar, acima de tudo e todos.

No entanto, naquele dia auspicioso, a prosperidade sorriu para Riki. Quando ele estava cortando bambus, um faisão surgiu do alto e jogou uma bolsa na cabeça de Riki.

Feita de seda finíssima, a bolsa reluzia como a mais bela esmeralda. Figuras circulares bordadas com ouro deixavam o embrulho ainda mais vistoso. Antes de ir embora, o faisão disse:

Riki-san, esta bolsa pertence à Shinju. Ela mora no Monte Hotaka. Por favor, faça com que esta preciosidade chegue em segurança às mãos da bela Shinju. Não haverá recompensa no mundo maior do que a sua. Contudo, lembre-se: em hipótese alguma, essa bolsa deve ser aberta e, principalmente, você jamais deve ver o seu conteúdo.

Riki aceitou os termos do faisão e, após encerrar suas atividades, decidiu viajar até o Monte Hotaka para deixar a bolsa com a dona. Porém, a curiosidade beliscava e mordia o espírito do homem.

O que será que esta bolsa contém? Que objeto precioso ela guarda?”, dialogava mentalmente, sem conseguir dominar a efusão de seus pensamentos. A jornada até o monte seria longa, motivando Riki a organizar provisões e equipamentos necessários. Porém, ele não conseguia mais executar qualquer atividade sem pensar no conteúdo da bolsa de seda fina.

Deve conter algo de muito valioso. É por isso que o faisão não deseja que eu olhe; para que eu não cobice.

O percurso da viagem foi pesado e tomado pela ansiedade. Riki não suportava a curiosidade murmurando em seu ouvido:

Riki, abra a bolsa. Ninguém saberá. Que recompensa pode ser maior do que pedras preciosas? Você passou a vida toda cortando bambus e colhendo cogumelos. Não sabe nada além disso. É assim que deseja terminar seus dias?

Por mais que se esforçasse, o homem não conseguia impedir que tal necessidade de bisbilhotice o deixasse em paz. Dias, tardes e noites se tornaram um grande buraco no peito, lotado de dúvidas.

Uma noite, acampando próximo ao Monte Hotaka, Riki decidiu dar ouvidos à voz interior que o cercava:

Vou abrir a bolsa por um instante. Ninguém jamais saberá, nem mesmo o faisão. Se ele não está presente, não pode ter conhecimento do que estou fazendo. Será apenas por um instante.

Então, Riki abriu a bolsa. Nada aconteceu. Esticando os olhos para averiguar o que havia dentro, ele viu uma chama imensa e profundamente cintilante surgir.

Imagem: Inkwell por Ashe

Segundos depois, um grito horrível ecoou por entre as árvores. Em seguida, apenas silêncio.

O faisão surgiu em frente a Riki, mas ele não conseguia mais vê-lo, ouvi-lo, cheirá-lo ou senti-lo. Apenas em sua consciência, ele foi capaz de visualizar a imagem do faisão:

Homem curioso! Viveu apenas para si. A bela Shinju, senhora do Monte Hotaka, queria testá-lo. Ela queria saber se sua diligência era genuína, fruto de uma mente acostumada e feliz com as atividades da vida, ou se era apenas uma falsa pele, camuflando sua incapacidade de respeitar e valorizar o mundo ao seu redor. Na primeira oportunidade que teve de mudar o seu destino, esbanjou e trapaceou com a própria sorte. De agora em diante, viverá ensimesmado em seu mundo, sem contato algum com a vida exterior.

Dito isso, o faisão desapareceu.

Riki vagou sem destino pela floresta. Dizem que ele se fundiu com um velho tronco apodrecido, esquecido por muito tempo na terra úmida.


Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e crítica cultural. Tem profunda admiração e crescente interesse pelo universo artístico e cultural nipônico. @abyssal_waters

Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática. @rosenightshade

Imagem do topo: The Crane Wife por Ashe

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