Os japoneses vendidos como escravos por comerciantes portugueses
Poucos tem conhecimento sobre o assunto, mas este fato pode ter contribuído para a expulsão dos portugueses do Japão e seu isolamento de mais de 200 anos.
Isso é o que relata o pesquisador Michio Kitahara, autor do livro “Porutogaru no shokuminchi keisei to nihonjin dorei” (ポルトガルの植民地形成と日本人奴隷) publicado em 2013 pela editora Kadensha e que em tradução livre significa “Colonização portuguesa e escravos japoneses”.
Michio Kitahara revela em seu livro que ao longo da segunda metade do século 16 e até o século 17, os comerciantes portugueses venderam japoneses como escravos no exterior, de modo que “no final do século 16, um grande número de japoneses estava em várias partes da Ásia.
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Os japoneses escravizados por comerciantes portugueses foram encontrados nas regiões onde Portugal era dominante como potência colonial, como a Índia, o sudeste da Ásia e o sul da China, particularmente em Macau, à volta do Estreito de Malaca e em Goa, na Índia.”
Para fundamentar a sua tese, Kitahara cita numerosas fontes escritas, oficiais e acadêmicas, contemporâneas e modernas. No entanto, esses documentos parecem que foram pouco ou quase nada divulgados, já que quase não encontramos artigos na mídia japonesa relacionado a esse suposto e inusitado comércio internacional sistemático de escravos japoneses.
Trata-se de uma revelação chocante não acha? Qual seria o interesse de alguém em encobrir isso? Por que esse assunto não é de conhecimento geral? São muitas perguntas e poucas respostas, mas abaixo veremos outras evidências que comprovam esses fatos.
Outras evidências sobre japoneses escravizados por portugueses
Imagem: Depositphotos
Segundo o pesquisador português Lúcio de Sousa em reportagem ao site Bbc News Brasil, o registro mais antigo que se tem conhecimento de japoneses morando em Portugal, se refere a Jacinta de Sá Brandão, uma escrava japonesa que casou na Igreja Conceição em Lisboa, em 1573, com Guilherme Brandão, que também foi um escravo japonês.
Em 2013, o pesquisador também descobriu um documento nos Arquivos Gerais da Nação no México que comprovava que em 1585, um menino japonês de oito anos de idade havia sido raptado e vendido como escravo a Rui Pérez, comerciante português que atuava em Nagasaki.
O menino, que ficou conhecido como Gaspar Fernandes (sim, os escravos ganhavam nomes e sobrenomes portugueses), foi o primeiro de cinco escravos asiáticos que Pérez adquiriria nos anos seguintes. O menino atuava como serviçal e aprendeu a falar português e espanhol.
Ele foi levado com a família para Manila, nas Filipinas, onde Pérez foi perseguido e condenado por praticar o judaísmo em segredo. O comerciante foi enviado ao México para ser julgado pela Inquisição e acabou morrendo dois dias antes de atracar no porto de Acapulco.
Não há dados sobre quantos japoneses foram escravizados e exportados para o mundo durante uma lacuna de pelo menos cinquenta anos. Pesquisadores estimam que milhares de japoneses foram submetidos a este mercado, que funcionava de forma ilegal e velada no sul do Japão.
Em 1582, quatro meninos japoneses entre 13 e 14 anos partiram de Nagasaki para uma missão jesuíta na Europa que foi chamada de “Missão Tensho”. Os garotos foram conhecer reis, bispos e o papa Gregório 13º em Roma e depois foram levados para Lisboa para serem serviçais.
Em Lisboa, muitas famílias exibiam seus escravos japoneses como produtos importados. Há ainda relatos de meninas serem vendidas com finalidades sexuais. Eram raptadas, exportadas para Portugal e outros países e forçadas a passar pelas mãos de vários homens.
O primeiro contato entre portugueses e japoneses
A chegada dos portugueses no Japão (Imagem/Wikimedia Commons)
Para tentar entender como tudo isso aconteceu, vale a pena voltar no tempo e entender quando e como iniciou-se o relacionamento do Japão com países europeus, em particular, Portugal.
O ano era 1543, quando uma tempestade trouxe um navio chinês com três comerciantes portugueses a bordo para a ilha periférica de Tanegashima, na província de Kagoshima.
Duas novidades revolucionárias que chegaram ao Japão desse encontro casual foram as armas de fogo e Cristianismo. Um terceiro, diz Kitahara, foi o comércio de escravos.
Em pouco tempo, escravos japoneses estavam sendo comprados e vendidos não apenas em toda a Ásia, mas em lugares tão distantes como Portugal, Argentina, entre outros.
Nesta época, o Japão estava mergulhado em uma profunda guerra civil que já durava algumas décadas, com lutas sangrentas entre vários chefes militares em busca de poder.
Vivendo neste cenário de caos social e de instabilidade política, alguns japoneses venderam a si próprios ou a seus filhos como escravos para escapar da pobreza que assolava o país. Outros foram vendidos por senhores feudais para financiar um novo sonho de consumo – a pólvora.
As autoridades portuguesas – reais, burocráticas e religiosas – ficaram incomodadas com este tráfico que invariavelmente prejudicou a reputação de Portugal e o Cristianismo e por consequência reduziu o potencial de comércio internacional e conversão religiosa.
Apesar dos esforços para detê-lo, os mercadores portugueses diziam: “Gastamos um milhão de cruzeiros ou mais ao longo dos anos para comprar escravos. Portanto, não podemos aceitar que o Rei revogue este direito e nos prive dos escravos que já adquirimos.” O rei cedeu.
Portugueses foram expulsos do arquipélago japonês
Em 1587, o governante Toyotomi Hideyoshi soube por um de seus vassalos que os portugueses “compraram centenas de japoneses e que estes foram acorrentados e levados para o fundo dos navios” e disse: “Isso é insuportável para mim. Isso está muito além da punição no Inferno. ”
O resultado é bem conhecido. Embora a escravidão raramente seja citada entre as causas, os portugueses foram expulsos do país, o cristianismo foi ferozmente combatido e em 1635, o Japão fechou seus portos, entrando em um isolamento com o exterior que durou mais de 200 anos.
Mas e se a expulsão não tivesse ocorrido? E se o Japão não tivesse se isolado por tanto tempo a ponto de ainda hoje manter suas raízes culturais tão sólidas e admiradas mundo afora? E se o Cristianismo tivesse se expandido? Mudaria a forma como o país se comporta atualmente?
Os eventos ocorridos interferiram no desenvolvimento cultural e político do arquipélago nipônico e caso não ocorressem, o Japão não seria o mesmo que vemos hoje em dia pois desencadeariam outras situações que mudariam os anais não só da história japonesa como mundial.
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