Até que ponto, os costumes japoneses tem ajudado no combate ao coronavírus?
O governo japonês decidiu estender um estado nacional de emergência até o final deste mês (maio). Abe indicou que os especialistas enfatizaram a necessidade de manter as atuais restrições sociais, já que o sistema de saúde do Japão continua sob pressão.
Ao mesmo tempo, o primeiro ministro divulgou planos para suspender a emergência antes de 31 de maio, caso os especialistas considerarem isso possível. Ele comentou que os membros do grupo farão uma análise abrangente da situação atual por volta de 14 de maio.
Abe também disse que o Japão não sofreu um aumento explosivo no número de infecções como em outros países. Ele continuou dizendo que o número médio de pessoas saudáveis infectadas por contágio caiu abaixo de uma, sugerindo que o surto está diminuindo. Será que os costumes japoneses tem contribuído para esse menor número de infecções?
Segundo alguns especialistas a resposta é sim. Costumes e hábitos sociais no Japão, tais como usar máscaras durante surtos sazonais de gripe, curvar-se ao invés de dar um aperto de mão e tirar os sapatos antes de entrar em casa, tem desempenhado um papel importante para evitar a transmissão do vírus, embora não se saiba exatamente até que ponto isso ajude.
Isso é o que diz Wakaba Fukushima, professora da Faculdade de Medicina da Universidade da Cidade de Osaka, no Departamento de Saúde Pública, em relação aos costumes sociais específicos encontrados no Japão e em outras culturas do leste asiático.
“No entanto, os resultados não foram relatados e, atualmente, não sabemos até que ponto isso pode ser válido com base em pesquisas epidemiológicas adequadas, como por exemplo, comparar as diferenças nas taxas de infecção e mortalidade entre as pessoas que praticam esses costumes contra aqueles que não os praticam”, completou Fukushima.
Josh Santarpia, professor associado de patologia e microbiologia no Centro Médico da Universidade de Nebraska e diretor de pesquisa do Combate a Armas de Destruição Maciça no Instituto Nacional de Pesquisa Estratégica da Universidade de Nebraska, reconheceu que essas práticas “provavelmente não afetaram em nada o cotidiano dos japoneses“.
“Práticas rigorosas de higiene são muito importantes para impedir a propagação de doenças, portanto, sempre que essas práticas já estão enraizadas, ajudam”, disse Santarpia.
Mas ele acrescentou que vê perigo na adoção do uso de máscaras por populações não acostumadas a isso. Nos Estados Unidos, assim como no Brasil e outros países, as pessoas frequentemente as tocam ou ajustam, apresentando riscos significativos de contaminação. Para ter um “efeito positivo“, as pessoas precisam “usá-las adequadamente“, disse ele.
Especialistas alertaram sobre como o coronavírus pode se agarrar a superfícies, como teclados, maçanetas, bancadas, caixas de papelão e até solas de sapatos. Sem contar o grande risco de transmissão de pessoa a pessoa através do ar por “gotículas respiratórias”.
No Japão, a taxa confirmada de infecção tem sido baixa até agora. Um fator que pode manter o número baixo é a modesta taxa de testes do Japão em comparação com outros países. Mas, mesmo levando isso em consideração, é um número baixo de infecções especialmente levando em conta a enorme população idosa, que como sabemos, é mais suscetível ao vírus.
A lavagem frequente das mãos, o uso de oshibori (toalhas quentes) para limpar as mãos e o rosto nos restaurantes e o costume de se curvar, em vez de do aperto de mãos, abraços ou beijos na bochecha, podem ser alguns dos fatores que já são adotados pela população japonesa, muito antes do “distanciamento social” imposto pela pandemia da COVID-19.
Especialistas apontam que os casos de COVID-19 em todos os países podem estar subestimados devido a testes limitados. “Esta é uma luta contra um ninja invisível. O campo de batalha está em casa e no exterior, e é necessário saber onde e em que grau o inimigo existe ao nosso redor ”, disse Tasuku Honjo, professora na Universidade de Kyoto.
Até o momento (5 de maio de 2020), 153.581 pessoas foram testadas, sendo 15.253 testados positivos, 4.496 recuperados e 556 mortes por COVID 19. As regiões mais afetadas pelo vírus são Tóquio (4.654), Osaka (1.679), Kanagawa (1.107), Saitama (903) e Hokkaido (879).
Mas, embora os protocolos de teste afetem os registros oficiais, a cultura de confiar no governo e seguir suas recomendações e a infraestrutura do sistema de saúde provavelmente também desempenham papéis importantes no tratamento e prevenção, disse ela.
Fukushima, representante da Associação Epidemiológica do Japão, com sede em Tóquio, disse que poderiam ser feitas previsões sobre a eficácia de práticas como lavar as mãos e curvar-se em vez de apertar as mãos e abraçar, já que “o vírus quando preso aos dedos pode usar as membranas mucosas da olhos, boca e nariz como portais de entrada para possíveis infecções.”
Mas ele completa dizendo que ainda é muito cedo para fazer uma correlação entre a taxa de casos de COVID-19 e várias práticas de higiene entre diferentes culturas.
“No geral, acho que teremos que esperar até que isso termine para poder realmente ver como a pandemia afeta diferentes países e culturas, mas os países que já praticam muitas regras que alguns países demoram a aceitar podem ter uma vantagem” ele disse.
Um novo estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças descobriu que cerca de metade dos profissionais de saúde que trabalham em unidades de terapia intensiva carregavam o coronavírus nas solas de seus sapatos em um hospital em Wuhan, China.
Questionado sobre a eficácia da prática japonesa de remover sapatos antes de entrar em casa para proteger contra a COVID-19, Roess, especialista em doenças infecciosas globais, disse que a infecção por sapatos do SARS-Cov-2, é improvável, mas ainda há muita cautela.
“Há evidências de que ter uma política de não usar sapatos em casa pode reduzir o risco de patógenos que causam diarreia, e isso é especialmente importante se você tiver bebês ou crianças pequenas que estão engatinhando e colocando coisas na boca“, ele adicionou.
Além das casas, as escolas no Japão exigem que os alunos tirem os sapatos, que são colocados em uma sapateira chamada getabako, até o ensino médio.
A maioria dos templos, santuários, pousadas tradicionais e resorts em fontes termais (onsen) exigem que você tire os sapatos – tudo em prol da higiene e limpeza. Assim acontece também em alguns restaurantes tradicionais japoneses e vestuários de lojas de roupas.
Quais serão as conclusões aprendidas com várias culturas em um mundo totalmente transformado pela pandemia da COVID-19? Só o tempo dirá…
Enquanto as escolas estão fechadas e as universidades, cinemas, shows de música ao vivo, boates, pachinko e cibercafés suspenderam as operações em Tóquio e em outros locais, muitos restaurantes e izakaya ainda estão em funcionamento, embora fechando às 20h.
“Provavelmente ainda há esse sentimento de ‘Enquanto eu tiver minha máscara, ficarei bem“, disse Fukushima. “Mas com a expansão do estado de emergência nacional, as pessoas provavelmente não estarão em uma situação em que possam continuar dizendo isso.”
Os cientistas ainda estão lidando com muitas perguntas não respondidas sobre como a doença pode se espalhar, inclusive através de pessoas que mostram pouco ou nenhum sintoma.
Há evidências de que usar máscaras, boa higiene das mãos e praticar distanciamento social são as melhores maneiras de impedir a propagação do vírus. As normas culturais no Japão incluem algumas delas e o tempo dirá se essas são, de fato, os motivos pelos quais o Japão tem taxas mais baixas de infecção e mortalidade por COVID-19 do que outros países.
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