Nezumi e o som da perseverança
Um ratinho nos ensina que sempre é tempo de acreditar em nosso potencial
Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres
Há milênios, quando só havia fauna e flora em Nara, os animais decidiram comemorar a chegada da estação das cerejeiras. Para isso, organizaram uma grande festa.Entre as atrações, estava decidido que apenas um, entre todos, subiria no cume mais alto e cantaria para alegrar a festa.
Empolgado com a possibilidade de compartilhar o seu talento, o ratinho Nezumi decidiu entrar na disputa e tentar a sorte. Ele sabia que competiria com outros animais, maiores, mais bonitos e com mais qualidades, mas não se deixou abalar. Seu maior desejo era cantar para as cerejeiras e agradecer por tanta beleza e alegria durante esse período especial.
Quando Nezumi manifestou a vontade de se inscrever para participar da seleção, o frondoso boi Ushi, conhecido por sua beleza e tamanho, disse com prepotência:
– Ora, ora, ora! Vejam só! Esse ser da sujeira, minúsculo como um grão de areia, quer ter a honra de cantar no dia mais importante do ano. Quem você pensa que é, criatura invisível? Conheça o seu lugar.
A voz de Ushi ecoou por todos os cantos. Animais e plantas começaram a gargalhar. Como o grande boi poderia errar? Por que aquele ratinho achava que tinha direito a um lugar de destaque?
Ele vivia na terra, entocado em buracos, se alimentando das sobras alheias ou de frutas e sementes maduras ou podres. Se havia alguém ideal para cantar com brilho e pompa, esse alguém era Ushi.
Humilhado e envergonhado, Nezumi foi procurar um esconderijo. Ele estava aos prantos. Talvez todos estivessem certos. Quem ele pensava que era para conquistar uma posição tão alta? Era apenas um ratinho, pequeno e invisível, nada mais.
Então, na noite anterior ao prazo final das inscrições, Nezumi foi testemunha de uma cena inusitada: uma formiguinha carregava sozinha um pedaço grande de amêndoa, muito maior do que o seu corpo franzino. O ratinho se aproximou e ofereceu ajuda, mas o que escutou como resposta foi:
– Obrigada por sua bondade, mas eu preciso tentar. Precisamos fazer o nosso melhor a cada dia. Ganbarimasu.
Ganbarimasu. Ganbarimasu. Ganbarimasu.
A ideia ficou rondando a cabeça de Nezumi durante toda a noite. No dia seguinte, ele acordou bem cedo e foi direto para o local de inscrições. Ao vê-lo, Usagi, o coelho, berrou espantado:
– O que?! Vai mesmo ter a ousadia de tentar a vaga?
– Anote o meu nome – disse Nezumi.
Três dias depois, em meio a uma plateia formada por todos os animais, plantas e insetos de Nara, a competição foi anunciada. Para a total perplexidade do boi Ushi, o ratinho Nezumi estava entre os concorrentes.
Um a um, os animais foram dando voz ao talento musical. Ushi não deixou por menos e cantarolou com a sua voz de tenor. Por último, chegou a vez de Nezumi.
Todos conversavam animadamente, sem dar a menor importância para o pequeno. Pensando apenas em dar o seu melhor, Ganbarimasu, o rato começou a cantar.
De sua pequena garganta, uma melodia irresistível magnetizou o universo. Até mesmo o Sol ficou um pouco mais perto da Terra para escutá-lo cantar.
Quando Nezumi terminou, foi aplaudido com frenesi por toda a fauna e flora. As cerejeiras sacudiram suas folhas e flores e disseram em uma única voz:
– Nós escolhemos Nezumi para cantar em nossa celebração.
O ratinho derramou lágrimas de felicidade. No dia da apresentação, ele cantou como uma divindade. Nara era pura alegria e gratidão. Apenas Ushi, o boi invejoso, não compareceu à festa. Tempos depois, ele se mudou para outro lugar e nunca mais foi visto.
PS: A artista Luciana Guedes, através da Fundação Cultural de Paranavaí e do programa ‘Cultura em Casa’, teatralizou em kamishibai a fábula ‘Nezumi e o som da perseverança’, escrito com exclusividade por Mara e Rafaela Torres ao Japão em Foco. Confira o vídeo abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=jwYsWTknk-M
Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e crítica cultural. Tem profunda admiração e crescente interesse pelo universo artístico e cultural nipônico. @abyssal_waters
Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática. @rosenightshade
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