Uma reconexão com as origens – Por Luiz Hissashi da Rocha
Relatos pessoais de um participante do Programa de Convite a Descendentes de Japonês – Por Luiz Hissashi da Rocha
Eu estava em uma consulta clínica quando recebi a ligação da Embaixada do Japão confirmando que eu havia sido selecionado para ir ao Japão através do Programa de Convite a Descendentes. Não conseguia conter a alegria por haver sido escolhido e não acreditava que logo estaria embarcando para a terra natal dos meus queridos obachan e ojissan Suga.
Mal sabia eu que essa viagem seria muito além do que apenas uma viagem turística à terra do sol nascente e que causaria transformações tão profundas que seriam capazes de mudar até a percepção de quem eu mesmo era.
Ao desembarcar no aeroporto de Narita e ser levado ao hotel já pude ir percebendo os atributos de uma nação desenvolvida: ruas limpas e bem sinalizadas, muitos prédios empresariais e, apesar de sua capital, Tóquio, ter mais de 10 milhões de habitantes, o “caos” estava organizado e tudo aparentava funcionar adequadamente.
Participantes do Programa
Estavam comigo na van outros 3 participantes de outros países: Harumi, do México, Hideki, do Chile e Hisae, do Perú. Nos outros dias conheci também os outros participantes brasileiros: Larissa, de Curitiba e Márcio e Kenzo, ambos de São Paulo.
Participaram também Shingo, da Venezuela e Malena e Agustín, da Argentina. Posso afirmar que de imediato a latinidade que havia em nós já fez com que nos conectássemos fortemente!
Durante a programação em Tóquio fomos hospedados no clássico Tokyo Prince Hotel, localizado na região de Minato, local onde estão também várias Embaixadas e a Tokyo Tower, que podia ser vista pela janela do quarto de forma esplendorosa.
A programação oficial começou no dia seguinte, com a recepção no prédio do Ministério dos Negócios Exteriores (MOFA) e uma palestra com o jornalista Mikio Ikuma, ex-escritor do jornal Yomiuri Shimbun.
Posso afirmar que sua palestra foi a melhor que tivemos durante os 7 dias, pois ele compartilhou conosco sobre o Japão de uma forma muito honesta. Iniciou a fundo conversa explicando a origem dos comportamentos dos japoneses, como a ética, a preocupação com a honra, o forte senso de comunidade, o “trabalho duro” e a educação, estes com sua origem no Bushido, que é o conjunto de virtudes dos Samurais antigos que permanecem influenciando o Japão moderno.
O Sr. Ikuma expos também vários problemas enfrentados pela sociedade japonesa, como a visão tradicional do papel da mulher como dona de casa e mãe de filhos, dificultando assim sua colocação no ambiente de trabalho. Esse é um dos motivos atrás da redução da taxa de natalidade no país.
Como as empresas não vêem com bons olhos mulheres que se ausentam por causa de licença maternidade, as mulheres deixaram de querer ter filhos.
No segundo dia de programação fomos visitar um centro de treinamento de Sumo (Hakkaku) e pudemos observar também no esporte a disciplina japonesa e como se comportam respeitosamente em relação ao seus superiores.
Os lutadores mais novos eram os primeiros a chegar e treinar, pois logo quando os lutadores mais antigos e importantes chegassem, eles deveriam sair da arena e preparar o almoço para todos.
As orientações dadas pelos lutadores mais antigos e também pelos treinadores eram recebidas com muito respeito e atenção.
Neste mesmo dia, posso afirmar que tivemos também a atividade mais especial de todas: fomos convidados para encontrar o príncipe e a princesa Akishino dentro do palácio.
Fomos recebidos por meio de uma cerimônia na qual fomos todos apresentados e pudemos conversar pessoalmente com os príncipes enquanto éramos servidos com doces e morangos.
A princesa nos contou que a vinda dela ao Brasil foi para comemorar o aniversário de casamento e que ficou muito honrada pela recepção calorosa feita pelos nikkei brasileiros, tanto em São Paulo quanto no Belém do Pará.
Os príncipes também nos contaram que havia uma cerejeira (sakura) florindo fora de época no jardim do palácio, por isso, nos convidou para ir vê-la.
Cerejeiras florindo fora de época
Além dos príncipes, fomos recebidos por outras autoridades japonesas, como parlamentares e o chefe de gabinete do primeiro ministro, os quais compartilharam conosco o interesse do Japão em se aproximar dos países da América Latina, em especial com os quase 2 milhões de nikkei que se encontram nesses países.
Durante o programa, participamos também de uma Cerimônia do Chá e da cerimônia budista denominada Syabutsu, onde desenhamos o buda para receber suas bençãos.
Em ambas foi possível perceber que a cultura tradicional japonesa valoriza o momento atual, a valorização do agora, do estar presente no presente.
Diferente da vida cotidiana dos ocidentais, focada no que está por vir e, consequentemente, carregada de ansiedades, as tradições japonesas estão sempre valorizando o agora, seja na Cerimônia do Chá, onde o mesmo é preparado com calma, serenidade e muito significado em todo o ritual, ou mesmo na cerimônia budista, na qual nos concentramos em desenhar o buda e meditar.
A paz que experimentei em ambas foi algo indescritível e o aprendizado quanto à forma de conduzir a vida permitindo viver o momento presente foi algo muito positivo que levarei comigo pra sempre.
Outro ponto forte da viagem foi a ida à Hiroshima. Fomos levados de Shinkansen, que é o famoso trem-bala japonês, com velocidades superiores a 300km/h, passando por várias cidades pequenas, onde pudemos observar um pouco da área rural, plantações de arroz e o incrível Monte Fuji, muito reverenciado pelos japoneses.
Ilha de Miyajima
Ao chegar na cidade de Hiroshima, fomos à Miyajima, uma linda ilha isolada onde existe um pequeno povoado e habitada por veados que vivem livremente pelo local. Fomos visitar o famoso santuário da ilha e nos surpreendemos com uma cerimônia de casamento que estava sendo realizada no local, observando as tradições japonesas, tantos nas vestimentas, ritos quanto nas músicas.
Ainda em Hiroshima, visitamos também a Praça e o Museu Memorial da Paz, locais que relembram o desastre causado pela bomba nuclear, devastando a região. Esta visita foi muito especial, visto que minha família se origina da região.
O contraste entre os relatos e fotos tristes que são exibidos no Museu e o clima de paz e tranquilidade que reside na praça é intrigante. Ao questionar os japoneses que nos acompanhavam na viagem sobre o que sentiam ao visitar o local, todos nos diziam que sentiam uma tristeza profunda mas que, acima de tudo, querem a paz.
Todas essas experiências causaram transformações dentro de mim. Antes eu me via apenas como um brasileiro, com algum interesse em visitar o Japão e conhecer sua cultura, porém não diferente de qualquer outro brasileiro.
Não reconhecia em mim um sentimento de orgulho pela origem, algo de se estranhar visto que “metade” de mim era japonês. Isso mudou quando participei do programa e o sentimento foi como se a metade adormecida em mim houvesse acordado.
Passei a me identificar com o que estava vivendo, aprendendo e experimentando no Japão, como um filho que reconhece em seu pai características parecidas. E o resultado disso tudo é uma reconexão profunda com as origens.
Não passei a ser japonês, continuo sendo brasileiro, porém, com origens na terra do sol nascente que não posso negar e que passo a me orgulhar.
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